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Conhecido como senhor Alvarinho, Anselmo Mendes revela como transformou um ‘desastre’ em vinho de sucesso

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‘Experimentalista’ das uvas brancas portuguesas, enólogo comenta também a batalha para valorizar os Vinhos Verdes e aponta sua atual paixão, a uva Loureiro

Anselmo Mendes: enólogo português é conhecido pelos vinhos com Alvarinho

Anselmo Mendes: enólogo português é conhecido pelos vinhos com Alvarinho Divulgação

Fascinado pela uva branca Alvarinho, que vinificou de tantas formas e com tal qualidade que é conhecido por senhor Alvarinho, o premiado enólogo português Anselmo Mendes, de 60 anos, deve seu sucesso a um traço de personalidade: “sou experimentalista”. O menino filho, neto e bisneto de agricultores que sonhava em trabalhar no campo se revelou um incansável produtor que testou solos, barricas, uvas, cachos, vinificação com cascas. Muitas das experiências só deram resultado anos depois.

— Comecei a usar barricas em 1987 e era quase uma heresia fermentar em madeira. Gosto de questionar as coisas. Sempre tive um espírito experimentalista. Em 1997, comprei uma quinta pequenina, com 2,5 hectares, numa encosta em Melgaço. Toda em terraços suportados por muros de granito. Foi minha primeira inspiração. Em 1998, fiz o primeiro vinho, o Muro de Melgaço, de forma artesanal, com prensas de granito, fermentado em madeira. Já tinha uma grande experiência com fermentação em barrica. Comecei com as francesas de primeiro uso. Depois percebi que elas com o tempo também funcionavam muito bem.

Além da madeira, Mendes buscou também testar a vinificação de brancos com as cascas das uvas, como se faz com os tintos:

— Por que um branco não pode ser feito como um tinto, que fermenta com a casca? E fiz o primeiro, engarrafei em 2001 um vinho laranja, fermentado com as cascas até o fim. Não consegui vender porque ninguém entendia. Foi um desastre. Chamava-se Muros Antigos, tinha um rótulo diferente. Em 2005, fiz com menos tempo com as cascas e, em 2007, ainda menos. Em 2009, afinei o processo: um dia de fermentação em inox com as cascas e depois estágio em madeira. Chamo de curtimenta civilizada. Ele se chama Curtimenta e vende hoje no Brasil.

A uva ibérica Alvarinho: vinhos de qualidade — Foto: Divulgação

A uva ibérica Alvarinho: vinhos de qualidade — Foto: Divulgação

O enólogo conta que suas experiências com Alvarinho lhe renderam críticas para os que acreditavam que os rótulos não poderiam ser considerados frutos da região dos Vinhos Verdes. Anselmo Mendes diz que travou uma batalha para divulgar informações históricas sobre essa área produtora do Norte de seu país.

— Levo 30 anos a fazer catequese, a desmistificar o que chamo os quatro dogmas do vinho verde, os quatro clichês. Essa tem sido a minha vida. O primeiro é que o vinho verde não é um tipo de vinho, mas uma denominação de origem.

O segundo é que a história do Vinho Verde é contada de forma simplória, “que é verde porque a região é verde”.

— É mentira. Na Idade Média, quando os grandes tintos de Portugal eram exportados para Inglaterra, eram feitos em Monção. À época, o milho veio da América para Europa e encontrou no Minho seu lugar. Houve mais pão, mais comida para animais e pessoas. A população cresceu imenso. Com a terra escassa, sofreram as vinhas, que recuaram para as bordaduras dos campos. Meteram as videiras em enforcado, nas árvores, para produzir mais em áreas menores. Videiras e folhas das árvores coabitavam. E as uvas não amadureciam, ficaram verdes, extremamente ácidas e com pouco grau alcoólico. Daí a expressão vinho verde. O problema é que as pessoas têm esqueletos escondidos nos armários e achavam que se contassem que, em determinada época, as uvas não amadureciam era negativo.

A terceira é que o vinho verde não é só para beber no ano em que foi feito.

— Tenho vinhos com mais 20 anos, Alvarinhos e Loureiros, com grande capacidade de envelhecimento, fantásticos quando viticultura é boa. O quarto dogma é que não tem que ser barato. Há uma conotação de que o vinho verde, e passei essa fase, era um vinho menor. Para você ter uma ideia, do outro lado do Rio Minho, na Galícia, empresas como Vega Sicilia, Ramon Bilbao, estão a investir. E do lado de cá também. Vai ser um sucesso.

Outra batalha de Mendes é que seja demarcada como denominação de origem (DO) a sub-região de Monção e Melgaço, hoje incluída na denominação dos Vinhos Verdes.

— Quando você olha a crítica internacional, quando se fala de alguns vinhos verdes, são os de Monção e Melgaço. Nesses casos, os Alvarinhos — enfatiza.

A distinção desses vinhos é tanta que Mendes diz que, em provas cegas na Borgonha, chegam a ser confundidos com Chardonnays de renome daquela região francesa, o berço do conceito de terroir no mundo.

— Sou contra denominações de origem por decreto. Mas Monção e Melgaço, nos últimos 30 anos evoluíram muito, e me sinto responsável. Podem ir a exame e apresentar dez vinhos acima de 30 euros. A crítica internacional, quando elogia alguns vinhos verdes, são os de Monção e Melgaço, os Alvarinhos. Depois, existem vinhos com 10 anos em grande forma. Vinhos com diferenciação, com curtimenta, de fermentação em madeira. É uma locomotiva para o resto de Vinhos Verdes. Para mim, seria ótimo daqui a 30 anos, e não vou estar a cá, haver 10 ou 20 DOs pequeninas — destaca.

O enólogo português Anselmo Mendes — Foto: Divulgação

O enólogo português Anselmo Mendes — Foto: Divulgação

Mendes busca agora que outra variedade branca receba o justo reconhecimento internacional: a Loureiro.

— Em 2005, resolvi reestruturar a vinhas na Zona do Lima, com a Loureiro também. Embora eu seja conhecido como senhor Alvarinho, hoje estou muito focado também na Loureiro — ressalta.

Mudanças climáticas

De olho nas mudanças climáticas, ele detalha cuidados com o solo e com a gestão da água.

— Há mapas que mostram regiões do Sul da Península Ibérica ameaçadas pela falta de água e pelo calor na época da maturação das uvas. Não é fácil lutar contra isso. Faço o arrelvamento, o solo está todo coberto. Tento contribuir com a redução da pegada carbônica. E busco gerir bem a água.

Mendes ensina que a “selvagem” Alvarinho tem características que a ajudam a fazer bons vinhos mesmo com temperaturas muito elevadas e seca extrema registradas em Portugal em safras recentes.

— O Alvarinho é uma uva muito bem adaptada às mudanças climáticas. Mesmo com o clima austero, ela nos surpreende imenso e mantém a acidez. É um pouco selvagem, com cacho pequenino e muita casca. É a casta branca no mundo que tem menos rendimento. É muito versátil. Você faz grandes vinhos de curtimenta, pode fazer grandes orange wines.

Para o enólogo, Portugal foi visto muito tempo como um país de vinho tinto, mas com uma região conhecida pela produção dos brancos:

— Hoje, é realmente um país em que a maioria produzida é de tintos, mas com uma grande região de vinhos brancos, a dos Vinhos Verdes. Até pela questão climática, cada vez mais vai ser a região dos vinhos brancos porque consegue resistir às questões do aquecimento do planeta. Portugal precisa de mais investimento em promoção e dar a conhecer mais dos seus vinhos. Somos um país pequeno com uma diversidade grande. Tem vinhos tintos, brancos e generosos, como o da Madeira, do Porto.

Três vinhos para conhecer Anselmo Mendes

O Muros Antigos Loureiro — Foto: Divulgação

O Muros Antigos Loureiro — Foto: Divulgação

O enólogo também lista três vinhos para quem quer conhecer seu trabalho, todos com uvas brancas. Dois deles, é claro, são elaborados com Alvarinho. Os rótulos são trazido para o Brasil pela Decanter.

— Indico o Muros Antigos Loureiro, feito com uvas de um vale mais atlântico, a um quilômetro do mar. O Loureiro é uma variedade que vai ter muito sucesso. Muitos falam do Alvarinho, mas o Loureiro é vibrante na acidez e apresenta capacidade de envelhecimento. Tem um aroma muito fino, cítrico, de flor de laranjeira. Ainda é um desconhecido.

O Alvarinho Contacto — Foto: Divulgação

O Alvarinho Contacto — Foto: Divulgação

A segunda indicação é o Alvarinho Contato, que ele classifica como um exemplo de vinho de um grande terroir, a Quinta da Torre, com 50 hectares da uva.

— Temos nesta propriedade oito tipos diferentes de solos aluviões, como de Bordeaux, na França, e Napa, nos Estados Unidos. São solos formados por camadas e permitem que as raízes vão muito fundo e colonizem um grande volume. O vinho transmite aquele herbáceo positivo do Alvarinho e no nariz e a mineralidade.

O Alvarinho Parcela Única — Foto: Divulgação

O Alvarinho Parcela Única — Foto: Divulgação

O terceiro vinho é o Alvarinho Parcela Única, resultado de todo os estudos dele ao longo de sua carreira: dos solos, da parcela, da madeira, a variedade, os cachos. No último ano, o Parcela Única safra 2019 foi considerado o melhor branco português.

Mendes conta a origem do nome do seu vinho Pardusco, ligado à história vitivinícola portuguesa

— Pardusco era o nome dos primeiros tintos exportados para a Inglaterra de Moção e Melgaço, da região do Vinho Verde, onde hoje há o Alvarinho. Os tintos eram exportados pelo Porto de Viana. Iam para Flandres e para a Inglaterra. Eram castas com pouca cor porque eram feitas pelos beneditinos que seguiam a lei do sangue de Cristo. Foram os beneditinos que fizeram o Pinot Noir na Borgonha. O Pinot tem pouca cor. Não foi porque calhou, mas porque escolheram uma uva assim. E fizeram os vinhos na região que nem era chamada de Vinho Verde à época, nem havia regiões delimitadas. Eles desenvolveram muito a viticultura dali.

O tinto Pardusco — Foto: Divulgação

O tinto Pardusco — Foto: Divulgação

O enólogo diz que, em 2012, achou que só se fazia vinhos com Vinhão com muita cor e começou a se perguntar por que não retomar o passado:

— E recuperei estas castas: o Brancelho (que chama Alvarelhão), o Pedral, o Verdelho Feijão? Plantei videiras em 2012, um bocadinho contra a corrente, pois ninguém queria saber destes vinhos. Não consigo vendê-los na região porque só querem vinho muito carregado de cor. Mas começa a ter sucesso lá fora. São vinhos mais elegantes. Estou muito contente com alguns mercados, como o Canadá e os países nórdicos, que entendem esses rótulos.

Mendes tem 130 hectares de vinhedos e produz 800 mil garrafas anualmente. Vende para 50 países. A Suécia é o maior comprador, seguida de Canadá, Alemanha, Estados Unidos e Brasil em quinto.

Por Cláudia Meneses o `O  Globo´