A Casa Branca até tentou se explicar o teor do memorando interno divulgado pelo Escritório de Gestão e Orçamento, que instruiu as agências do governo federal a “interromperem temporariamente” o desembolso de fundos de subsídios e empréstimos federais, muitos deles utilizados em programas de assistência à população. A ordem ameaçava suspender o repasse de centenas de bilhões de dólares a governos locais e a setores da educação, além da concessão de pequenos empréstimos para empresas. O memorando explicava que “a pausa temporária dará tempo ao governo para revisar os programas e determinar o melhor uso dos fundos para as iniciativas que sejam consistentes com a lei e as prioridades do Presidente”.
Pouco antes de a medida começar a vigorar, às 19h de ontem (hora de Brasília), Donald Trump sofreu novo revés na Justiça: um juiz do Distrito de Columbia bloqueou o congelamento de gastos de ajuda federal, pelo menos até a próxima segunda-feira. Também no início da noite, o republicano assinou uma ordem executiva em que proíbe a transição de gênero para menores de 19 anos.
Apesar de o governo Donald Trump ter excluído da decisão o Medicaid, programa de atendimento à saúde para cidadãos de baixo poder aquisitivo, estados denunciaram que perderam o acesso aos portais de pagamentos federais. O memorando de 52 páginas do Escritório de Gestão e Orçamento determinava às agências federais que respondessem a várias perguntas sobre os programas afetados, inclusive se eles direcionam financiamento relacionado a imigrantes não documentados, política climática, programas de diversidade e aborto.
A interrupção dos subsídios poderia impactar milhões de americanos. Organizações não-governamentais e a Associação Americana de Saúde Pública entraram com uma ação na Corte Federal, em que pedem a suspensão da medida. “O memorando não explica a fonte da suposta autoridade legal (do Escritório de Gestão e Orçamento) para destruir todos os programas do governo federal”, afirma o processo.
“Facada no coração”
Procuradores-gerais de 22 dos 50 estados dos EUA pretendiam apelar à Justiça contra a suspensão dos gastos federais, sob a alegação de “ilegalidade em tantos níveis diferentes”. No Congresso, a ala do Partido Democrata (oposição) demonstrou preocupação com a decisão de Trump. “É uma facada no coração das famílias americanas”, reagiu Chuck Schumer, líder democrata no Senado, ao acrescentar que a medida é “ilegal” e “inconstitucional”. “O presidente não tem autoridade para ignorar a lei e vamos lutar contra isso de todas as formas possíveis”, prometeu.
A porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, declarou que “esta não é uma pausa geral nos programas de assistência e nos subsídios federais”. “Se eles sentirem que os programas são necessários e estão alinhados à agenda presidencial, então, o Escritório de Gestão e Orçamento revisará essas políticas”, comentou. Segundo Leavitt, “a assistência que vai diretamente aos indivíduos não será afetada”. Ela classificou a suspensão como “uma medida muito responsável”. Autoridades dos setores de transporte e infraestrutura cobraram esclarecimentos sobre o congelamento de repasses.
Em entrevista ao Correio, Simon Johnson — professor de empreendedorismo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e laureado com o Prêmio Nobel de Economia em 2024 — admitiu que os impactos do memorando ainda não estavam claros. “Vimos apenas uma paralisação temporária. Sob a Constituição, o Congresso controla os gastos, não o presidente. Haverá difíceis discussões pela frente”, previu. “Não se sabe exatamente quem será afetado e quais serão as exceções. O documento detalhando a política foi mal redigido. Espero que os padrões profissionais de formulação de políticas e os anúncios feitos por este governo melhorem.”
Professor de gestão pública da Universidade de Harvard, Steven Kelman afirmou ao Correio que o memorando interno não se aplicaria aos maiores programas de benefícios do governo para pensões da Previdência e assistência média a idosos, ou à “assistência fornecida diretamente a indivíduos”. “Não ficou realmente claro o escopo da decisão. Ela se aplicaria ao programa Headstart (‘Vantagem inicial’), financiado com fundos federais para a educação pré-escolar? Ou ao programa Meals on wheels (‘Refeições sobre rodas’), que distribui comida para aquelas pessoas confinadas em suas casas?”, questionou.
EU ACHO…
“Há riscos claros de que muita incerteza, durante o governo Trump, desestimule o investimento e talvez até mesmo os gastos do consumidor. Os Estados Unidos têm uma economia grande, resiliente e diversificada. Resta saber se algum desses momentos que ganharam as manchetes pode minar a dinâmica de crescimento positivo mais profunda, estabelecida desde o fim da pandemia de covid-19.”
Simon Johnson, professor de empreendedorismo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e laureado com o Prêmio Nobel de Economia em 2024