Com a vitalidade que o levou de Petrolina aos palcos de todo o país, cantor pernambucano se torna novo octogenário da música brasileira e prepara turnê comemorativa para 2025
Poesia e música cercavam o cotidiano da família Azevedo em Jatobá, zona rural de Petrolina. Num lar humilde, mas culturalmente abastado, foram lapidados os 80 anos bem vividos que Geraldo Azevedo celebra neste sábado (11). Exímio violonista, cantor e um dos maiores embaixadores da MPB, o artista pernambucano levou a música brasileira a novos horizontes, sem jamais romper com as raízes nordestinas que alimentam sua obra. Agora, como o mais recente oitentão de sua geração, Geraldo mantém o olhar no futuro, movido pela mesma energia que o consagrou como uma referência nacional.
Essa força tem raízes na sabedoria de sua mãe, Nenzinha, que o ensinou, ainda cedo, como a sua voz era capaz de transformar vidas — começando pela dele. “Lembro que ela me via como alguém sem medo. Na verdade, minha mãe me ensinava a não temer, sempre me encorajava a participar de atividades. Ela inventava apresentações, esquetes musicais e teatrais, e eu sempre estava lá, cantando”, relembra em conversa exclusiva com o Viver. Aos cinco anos, ganhou um violão confeccionado à mão por seu pai, José Amorim. “Era um instrumento mais lúdico, mas com todas as partes, incluindo o braço funcional. Foi através dele que, de forma instintiva, comecei a me familiarizar com esse universo.”
Músico pernambucano ganhou primeiro violão do seu pai (Foto: Arquivo) |
Imerso em um ambiente criativo e musical, Geraldo encontrou o terreno perfeito para se expressar e aprender. Não é por acaso que, mesmo sem uma formação acadêmica em música, foi guiado pelo seu talento natural e força de vontade nos primeiros anos. “Aprendi observando os outros tocarem e ouvindo com atenção, tentando reproduzir o som e posicionar os dedos no lugar certo no braço do violão”, descreve. Ele permaneceu autodidata até cruzar o caminho de Fernandinho, um músico de Petrolina que o acolheu como pupilo e o convidou para integrar a banda Sambossa. “Ele foi um verdadeiro mestre para mim.”
Quando se mudou para o Recife aos 13 anos, o plano era seguir a profissão de arquiteto ou engenheiro, o que se concretizou por um tempo enquanto trabalhava em grandes projetos da capital. Porém, em uma dominação gradual e irresistível, a música acabou prevalecendo. Essa conexão se cristalizou após conhecer Naná Vasconcelos, Teca Calazans e Marcelo Melo no Grupo Construção e seguir para o Rio de Janeiro. “A música me escolheu, e sou muito grato por isso. Ela se tornou não só minha paixão, mas minha profissão. Tocar e criar música me realizam profundamente, e isso é algo que levo com muito orgulho”, se declara Geraldo.
Foto: Arquivo |
E esse orgulho, que também transbordaria no coração de Nenzinha, será celebrado com uma grande homenagem na turnê Geraldo Azevedo 80 anos ao longo de 2025 inteiro. A festa começa no dia 29 de março, em Petrolina, com um show que terá a presença de Elba Ramalho e Alceu Valença. Juntos, eles vão reviver o legado d’O Grande Encontro, um capítulo marcante do cancioneiro nacional dos anos 1990. “Esse encontro é muito simbólico. Eu, Alceu e Elba representamos algo maior, uma conexão muito forte com a musicalidade da nossa geração. Uma geração que, embora não tenha recebido um rótulo específico como a Bossa Nova ou o Tropicalismo, tem uma força gigantesca”, exalta o cantor.
Para Geraldo, essa geração, composta ainda por nomes como Zé Ramalho, Amelinha, Belchior, Fagner e Novos Baianos, ficou marcada pela diversidade de vertentes musicais que apresentavam. “O que torna essa geração tão especial é que ela absorveu tudo: o Tropicalismo, a Bossa Nova, e ainda bebeu de outras fontes, como o reggae da Jamaica e tantas influências que circulavam pelo mundo. Somamos tudo isso à nossa identidade, ampliando o universo musical brasileiro. A música brasileira tem essa capacidade fantástica de se oxigenar constantemente, começando lá atrás com as influências afro e europeias, e evoluindo de forma extraordinária. É incrível fazer parte disso.”
Assim ele pretende continuar, com a garra de quem enfrentou 40 dias de tortura na ditadura militar. Autor incansável de clássicos como Dona da Minha Cabeça, Táxi Lunar, Você se Lembra, Chorando e Cantando e Vida Cigana, hoje transforma o passar dos anos em combustível para sua arte. Geraldo Azevedo projeta lançar mais dois álbuns, um deles instrumental, além de trabalhar novamente com o Quinteto Violado e formalizar novas parcerias. “O que mais me realiza é criar uma canção, e a satisfação se torna ainda maior quando essa música chega ao povo e o povo responde. Meus sonhos acabam sendo cantados pelas pessoas”. Como você mesmo proclama, Geraldo: “Não tem coração que esqueça.” (Diário de Pernambuco –Por: Allan Lopes)