Dificuldade para equilibrar as contas públicas seguirá em pauta e dificilmente o governo conseguirá zerar o deficit primário até 2026
O novo arcabouço fiscal tem encontrado dificuldades para ficar em pé desde a sua aprovação e, após a primeira alteração — antes mesmo de um ano de vigência da regra —, em abril de 2024, ganhou uma pequena sobrevida com a aprovação pelo Congresso Nacional do pacote fiscal, proposto pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no fim do ano passado.
Apesar de o governo seguir tentando conter os ânimos do mercado financeiro — maior credor da dívida pública — com o discurso de que tem o compromisso de respeitar o arcabouço, o consenso entre analistas é que um ajuste fiscal de verdade, se ocorrer, virá apenas a partir de 2027, em um novo mandato. A visão dos analistas é que a perna fiscal seguirá manca no tripé macroeconômico, criado desde o Plano Real para buscar o crescimento sustentável da economia.
De acordo com especialistas, as medidas previstas no pacote fiscal foram consideradas insuficientes pelo mercado e a previsão de cortes de gastos pelo governo ficou R$ 2,1 bilhões menor do que os R$ 71,9 bilhões estimados inicialmente. E, segundo eles, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva dificilmente fará algum corte mais drástico neste ano e no próximo. Essa certeza é que tem feito com que o dólar rompesse o patamar de R$ 6 desde a apresentação do pacote fiscal, no fim de novembro, diante da perspectiva de piora para a dívida pública bruta que poderá continuar crescendo enquanto o governo não retornar a registrar superavit primário.
O consenso entre as previsões para o fechamento das contas em 2024 é de que o governo conseguirá cumprir a meta do novo arcabouço, mas pelo piso, que permite um rombo de até 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB), e, mesmo assim com vários descontos de gastos que foram retirados da conta, como precatórios — dívidas judiciais da União, que foram pedaladas no governo anterior e ajudaram no fechamento das contas no azul em 2022, o único desde 2014 — e, socorro para as enchentes no Rio Grande do Sul e para as queimadas.
Dívida Pública
Analistas alertam que quando a dívida pública bruta de um país emergente como o Brasil, com juros de dois dígitos, fica insustentável, se ultrapassa 80% do PIB. “Com esse quadro de deficit primário, o país é como aquela pessoa superendividada, que acaba gastando e não tem condição de sair do rotativo do cartão de crédito”, compara Matos.
Vale lembrar que o quadro da dívida pública bruta é bastante preocupante. Em dezembro de 2014, conforme dados do Banco Central, a dívida pública bruta somava R$ 3,2 trilhões, o equivalente a 63,4% do PIB. E, em novembro de 2024, chegou aos inéditos R$ 9,1 trilhões, o equivalente a 77,7% do PIB — aumento de 184,4% em uma década. E, para piorar, analistas lembram que o ritmo de aumento da dívida está preocupante, pois acelerou para três a quatro pontos percentuais por ano. Por conta desse quadro, analistas alertam para o risco do forte crescimento da dívida pública sem que o governo consiga voltar a ter superavit primário.
Deficit
Pelas projeções do Tesouro divulgadas no fim de dezembro, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não conseguirá fechar as contas públicas no azul antes de 2027. Já pelas estimativas da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal, o quadro é muito mais preocupante no cenário base, que prevê superavit primário apenas depois de 2030. Para Alexandre Andrade, diretor da IFI, os desafios do governo seguem sendo aumentar a receita líquida em um ponto percentual do PIB e controlar o ritmo das despesas. “E, nas contas que atualizamos em dezembro, o primário necessário para estabilizar a dívida bruta passou para 2,4% do PIB”, acrescenta.
Andrade reconhece também que, com a disparada do dólar e as perspectivas do mercado de uma inflação mais elevada neste ano, podendo ultrapassar 6% e a taxa básica da economia (Selic), atualmente em 12,25% ao ano, mas podendo ultrapassar 15% em dezembro, fazem com que o cenário pessimista da IFI, que é pior do que o básico, seja o mais provável. Nos dois cenários da entidade, a dívida pública bruta ultrapassará 80% do PIB neste ano. E, no pessimista, ultrapassará 100% do PIB em 2027, algo que só ocorreria em 2030 no básico.
Luis Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners, considera que o pacote deu uma “sobrevida ao arcabouço”. “O fiscal fica ruim, tanto pelo primário, que fica com um ‘pequeno deficit’, quanto pelo nominal, que fica comprometido pelos juros altos. Mas a solução desse problema não é baixar os juros”, afirma.
Na avaliação de Leal, o governo precisa responder a pergunta sobre o motivo pelo qual os juros estão altos, apesar de o deficit fiscal de 2024 ser menor do que o de 2023. “O problema é como é alcançado esse ‘pequeno deficit’, uma vez que as receitas estão crescendo a um ritmo de 10% em termos reais, mas as despesas estão crescendo acima desse ritmo. E é isso que faz com que a economia esteja crescendo acima do potencial e a inflação esteja divergindo ao invés de convergindo”, explica.(Correio Brasiliense)