Ex-presidente se mantém ativo no debate político do país. A opinião dele tem muito peso, independentemente do espectro político
O mais longevo político brasileiro completa, nesta quarta-feira, 94 anos de idade, sem perder o protagonismo. Ao contrário, desde que decidiu não concorrer a mais nenhum cargo, 10 anos atrás, o maranhense José Sarney se manteve ativo no debate político do país. A casa dele, no Lago Sul de Brasília, é escala obrigatória do poder na capital do país, tanto para a direita quanto para a esquerda. A opinião e os conselhos do ex-presidente da República, ex-governador do Maranhão e ex-presidente do Senado Federal ainda têm muito peso, independentemente do espectro político. Sarney é considerado mestre na arte de dialogar.
A disposição do político maranhense é constantemente posta à prova, tal a quantidade de convites que recebe para participar de homenagens, cerimônias de posse e celebrações de políticos amigos. Sarney gosta de uma boa comemoração, principalmente quando é instado a buscar, em sua excelente memória, fatos e divertidas versões de personagens que ajudaram a escrever a própria história do Brasil. Ou quando o assunto é literatura — José Sarney é imortal da Academia Brasileira de Letras, autor de dezenas de livros, incluindo romances e contos.
Foi o compromisso com a democracia que aproximou Sarney do ex-presidente da República Juscelino Kubitschek, no fim da década de 1960. Após uma visita ao Maranhão, Juscelino — já cassado pela ditadura militar — ouviu do então governador do Maranhão — indicado pelo regime — um elogioso discurso. “Temi, sinceramente, pelas consequências de suas palavras generosas a meu respeito, porém, bravas e corajosas no tocante às afirmações que fazia”, escreveu JK, em uma carta a Sarney datada de março de 1970. Naquelas linhas, registradas à máquina, o inventor de Brasília declarou sua enorme admiração pelo governador “jovem, inteligente, corajoso e digno”.
JK escreveu a carta como agradecimento por ter recebido de Sarney um exemplar de Norte das Águas, livro de contos cuja temática é o Maranhão profundo e seus contrastes sociais. “O livro é uma coleção de contos admiráveis, e a linguagem que emprega, os motivos que escolheu, são autênticas fotografias desse pobre interior do Brasil, que você, num relâmpago de gênio, retratou”, elogiou JK.
Honrarias
O encontro entre JK e Sarney ocorreu em 12 de dezembro de 1968 – um dia antes do Ato Institucional nº 5, o mais brutal do regime militar. Em um jantar realizado naquela noite em São Luís, o então governador do Maranhão enalteceu a grandeza política do ex-presidente da República, além de fazer uma forte defesa da democracia. O gesto de Sarney comoveu JK, que confidenciou ao maranhense: enquanto em Minas Gerais o governador Israel Pinheiro, correligionário e figura histórica da construção de Brasília, pedia a ele para entrar despercebido no Palácio da Liberdade, Sarney, seu adversário político, o recebia publicamente, com toda as honrarias.
A proximidade entre Sarney e JK mereceu um novo registro em 2004. Ao celebrar os 102 anos de nascimento do político mineiro, o então presidente do Senado tornou pública sua admiração pelo notório mineiro. Mencionou a “carta generosa” escrita JK sobre o livro Norte das Águas, registro histórico e pessoal que guardava com muito carinho.
“Só então conheci o grande coração, magnânimo, generoso, de um homem público extraordinário, um brasileiro que só tinha um objetivo, amar e trabalhar pela sua Pátria, sem lugar para ódios ou ressentimentos, que só tinha lugar para ver o que era bom e o que o Brasil mais precisava e desejava, que é o seu progresso e sua felicidade”, disse Sarney.
Esta quarta-feira celebra a passagem de mais um ano de vida de um brasileiro singular, com uma história que se funde à própria trajetória do país, do movimento estudantil — no qual militou em 1945 — contra a ditadura de Getúlio Vargas até os dias atuais. Também é uma boa oportunidade para, sem ranços ideológicos ou estéticos, conhecer a profícua produção literária de Sarney. Como se vê, a lista de admiradores incluía ninguém menos que Juscelino Kubitschek. (Correio Brasiliense)