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Dia da Consciência Negra: pauta de igualdade racial deve ser levada a todas as áreas do governo, diz grupo na equipe de transição de Lula

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Entidades identitárias também celebram a possibilidade da recriação de um ministério próprio, uma promessa da campanha do presidente eleito

Na Ocupação Zumbi dos Palmares, no Centro do Rio, família da Luana de Paula, de 20 anos, passa fome

Um dos temas elencados como prioritários pelo presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, a questão da igualdade racial no país ganhou um grupo específico dentro da transição entre gestões, mas, segundo integrantes da equipe, as discussões devem ser levadas a todas as áreas do novo governo. No dia em que se comemora a “Consciência Negra”, entidades identitárias também celebram a possibilidade da recriação de um ministério próprio, uma promessa da campanha de Lula com que a equipe trabalha. Em debate, está a criação de estruturas públicas focadas na população negra em todas as futuras pastas da Esplanada, seja na forma de secretarias, diretorias ou coordenações, de forma a reduzir os altos índices de desigualdades entre raças no país.

A centralidade da tarefa do grupo de trabalho de igualdade racial é garantir a recriação do Ministério da Igualdade Racial com estrutura, com orçamento, mas também, paralelamente, garantir a transversalidade e a intersetorialidade da pauta de igualdade racial nas demais pastas — afirmou ao GLOBO um dos coordenadores do grupo na transição, Yuri Silva, ativista do movimento negro.

Em entrevista para o “Fantástico” no domingo passado, a primeira-dama, Rosângela Silva, a Janja afirmou que o combate ao racismo está entre as suas três principais prioridades para a próxima gestão, junto com o combate à violência contra a mulher e questões relacionadas à alimentação da população. Na transição, um dos principais objetivos do grupo técnico responsável pela igualdade racial é garantir a entrega de um plano amplo, que envolva diversos aspectos da sociedade para reduzir desigualdades e garantir a inclusão da comunidade negra.

Antes de fazer propostas, porém, o grupo tenta levantar a estrutura atual para saber se é possível abrigar o novo ministério. No governo de Jair Bolsonaro, o assunto era debatido na Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, dentro do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), e um Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial.

O orçamento para viabilizar o órgão e o número de servidores disponíveis gera preocupação entre membros da equipe, devido ao arrocho das contas para o próximo ano. A equipe de igualdade racial da transição também prepara um raio-X das políticas que foram desenvolvidas nos últimos anos, além de contratos e uma estrutura disponível. O grupo tem contado com ajuda da equipe da economia para montagem da proposta orçamentária.

— A gente quer dialogar cada vez mais com a Educação para que leis aprovadas durante o primeiro governo de Lula, relacionadas à inserção da cultura afro-brasileira e africana e da cultura dos povos originários indígenas no currículo escolar, possam sair do papel. É importante que a gente estabeleça a educação pluriétnica como uma orientação para que o MEC siga — disse outro coordenador do grupo, Martvs das Chagas. — Da mesma forma, no Ministério da Saúde temos o Plano Nacional da Saúde Integral da População Negra. Há algumas políticas em determinados ministérios que nos permitem fazer a ação mais transversalizada.

Desigualdade — Foto: Editoria de Arte

Desigualdade — Foto: Editoria de Arte

Estudo feito pelo IBGE, intitulado “Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil”, mostra que a queda na renda familiar dos brasileiros verificada desde 2019 está ocorrendo acompanhada de um aumento na disparidade entre negros e brancos. Em 2020, negros ganhavam em média 48% menos que brancos; em 2021, a lacuna foi ampliada para 49,4%.

Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgados no meio deste ano, 77,9% das mortes violentas intencionais foram de pessoas negras, enquanto apenas 21,7% das vítimas eram brancas. Essa categoria inclui homicídios dolosos, latrocínios, lesões corporais seguidas de morte e mortes por intervenção policial. O mesmo levantamento mostrou também que 62% das vítimas de feminicídio no Brasil são negras.

Retorno da valorização

— A gente quer o retorno da valorização da participação negra no Brasil, entendemos que uma das faces do golpe e do bolsonarismo que cresceu no nosso país foi atacar frontalmente o legado da consciência negra. Não à toa, era uma frente do governo destruir a imagem de Zumbi dos Palmares — afirma o dirigente do Movimento Negro Unificado (MNU), Simone Nascimento. O grupo tem a pedagoga e coordenadora nacional do movimento, Iêda Leal, como uma das representantes na equipe de transição.

O retorno da valorização é uma referência a medidas adotadas pelo ex-presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, que atacou a data da celebração da Consciência Negra e propôs a necessidade de rever a imagem do líder quilombola, Zumbi dos Palmares, como herói. Além das posições de autoridades do governo Bolsonaro, o movimento negro denunciou o desmonte de políticas para área durante a gestão do atual presidente.

Em maio, a Coalizão Negra por Direitos, juntamente com partidos, entre eles o PT, e outras 250 organizações, ingressou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra os impactos da política governamental de Bolsonaro na população negra. Entre os dados, o grupo cita o impacto da pandemia nessa população, os altos índices de insegurança alimentar entre as famílias negras, além das mortes causadas pela violência policial. A ação afirma que há “autorização implícita para uso exacerbado e desproporcional da força policial” dentro das comunidades.

Análise da ONU

Na última semana, o Comitê pela Eliminação da Discriminação Racial e pelos Direitos Humanos (CERD) da ONU se debruçou sobre o caso brasileiro, com audiências em Genebra, a partir de relatório elaborado por ONGs brasileiras e enviado à organização. A conclusão, divulgada na última sexta-feira, foi de que, durante a gestão Bolsonaro, “uma série de medidas têm se traduzido em retrocessos e aumento das desigualdades, aprofundando ainda mais a discriminação racial e se constituindo em uma política de morte perpetuada pelo Estado contra a população negra brasileira”. Nos próximos dias, serão enviadas recomendações ao governo sobre o assunto, que podem ser assumidas pela nova gestão.

Enquanto o Ministério dos Direitos Humanos, da Mulher e da Família enviou um documento apenas com dados até 2017, destacando, inclusive, conquistas das antigas gestões petistas como a Lei de Cotas e o Minha Casa Minha Vida, o chamado “relatório sombra”, feito pelas ONGs, destacou o esvaziamento da política habitacional, o aumento da fome — que atingem principalmente a população negra — e o desmonte da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (SEPPIR) e dos conselhos participativos.

— Apresentamos dados reais, pautados em fatos e dados oficiais. Por isso, avalio muito positiva a atuação da sociedade civil, que agiu de forma transparente, apontando as violações históricas. O governo atual, por sua vez, encerra a participação na ONU devendo informações sobre as omissões com a população negra — afirma Rodnei Jericó da Silva, advogado e coordenador do programa SOS Racismo de Geledés Instituto da Mulher Negra. (O Globo)

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