O desafio é gostar do exercício, tornando-o um hábito diário e, para que isso aconteça, devemos começar por analisar os principais motivos do abandono

Há uma comédia clássica chamada “Quando chega setembro” (1961), cheia de complicações, que lembra uma fase de promessas como a famosa “segunda-feira eu começo”. A trama se passa na Riviera Italiana, onde Robert (Rock Hudson), empresário nova-iorquino, só vai à academia em setembro (época da volta às aulas no hemisfério Norte, conhecida como a época do recomeço). Lá ele conhece Lisa (Gina Lollobrigida), com quem mantém relacionamento. Eles se encontram apenas um mês por ano. Para muitos acontece o mesmo com a academia: só a encontram na segunda-feira.
Parece que, com o início da semana, chega a hora de se esforçar, experimentar, lotar os centros esportivos, buscar informações na internet, inscrever-se na academia, iniciar planos e contratar serviços para melhorar o condicionamento físico, mas grande parte dos usuários que começam não conseguem manter o ritmo por muitas semanas.
Lembre-se disso: para a academia o melhor cliente é aquele que paga e não vai. Por isso, seria importante administrar seus impulsos de mudança.
Amanhã, pode ser que você pense: “vou começar a treinar” ou “de hoje não passa”. Mas logo depois podem surgir os poréns: “não gosto de fazer exercícios”, “conheço muito bem tudo que o esporte pode me proporcionar, mas odeio”, “não tenho tempo” ou “tento entrar em forma, até me machucar”.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 60% da população mundial não pratica atividade física suficiente, o que pode causar graves consequências à saúde. Todos os anos, entre quatro e cinco milhões de mortes poderiam ser evitadas se todos fossem mais ativos .
Não existe uma definição estrita do que constitui um estilo de vida sedentário, mas os pesquisadores têm algumas métricas para medi-lo. Como mostram os estudos, passar de quatro a seis horas sentado ou deitado (acordado) seria considerado sedentário. Se for este o seu caso, o desafio seria gostar de fazer exercício, torná-lo um hábito diário e, para que isso aconteça, comece a analisar os principais motivos do abandono:
Atividades inadequadas para pessoas sedentárias: Alguém que começa a treinar sem a devida individualização e planejamento provavelmente acabará exausto, dolorido ou lesionado. Como querer continuar?
Falsas expectativas: o que muitos imaginam não corresponde aos resultados. Há quem pense que vai treinar e atingir um certo condicionamento ou estética. Quando não consegue, fica frustrado e desiste. Fotos de antes e depois geralmente não são uma boa referência, embora muitas vezes sejam usadas como isca para conseguir mais clientes. Cada usuário é diferente e, dependendo de suas características e condições, obterá um resultado ou outro.
Busca por atalhos: Os métodos “milagrosos”, aqueles que prometem resultados rápidos com pouco esforço, proliferam antes do verão. No treinamento sério não existem métodos com nome próprio, apenas ciência. Para aplicar cargas corretamente, obter resultados e para que o corpo gere adaptações (por exemplo, melhorar força, resistência ou composição corporal) leva tempo.
Profissional qualificado
Se você quer resolver um problema de estômago, procure um médico especialista em aparelho digestivo. Se quer aprender a se alimentar de maneira mais saudável, marque uma consulta com um nutricionista. A questão é: e se você quer começar a fazer exercícios físicos? Procure um profissional da área. Um vídeo do Instagram ou do YouTube não consegue avaliar detalhadamente a saúde das suas articulações, analisar o seu histórico de saúde ou adaptar o seu treino às circunstâncias da sua vida (e não o contrário).
Estudos mostram que o treinamento pessoal individual é um método eficaz para mudar atitudes e, portanto, aumentar a quantidade de atividade física. Imagine que você quer comprar um terno: você compra um em uma grande loja e outro é feito sob medida. Qual deles combina melhor com você? O treinamento pessoal representaria esse traje sob medida. O melhor exercício é aquele que você faz bem e mantém para além da segunda-feira, contando com ajuda profissional.
Você deve prestar atenção em alguns aspectos, como, por exemplo, se o personal trainer ou professor (de natação, dança ou ioga) tem experiência na área e possui certificado profissional.
Caso o profissional não cumpra os requisitos legais para o exercício da profissão, em caso de acidente poderá ser responsabilizado.
Treinar uma pessoa requer conhecimento em fisiologia, biomecânica e metodologia de treinamento. Não vale qualquer coisa. Se você possui alguma patologia, procure recorrer a um profissional especializado no assunto.
Para escolher esse profissional, observe seu treinamento, como ele trabalha e suas fontes de informação. Veja como trata os clientes. As redes sociais são apenas a ponta do iceberg. Um perfil marcante no Instagram não é mais que uma mera vitrine. Procure seu registro, diploma e currículo. Presencialmente ou online, faça uma entrevista com o profissional e veja como ele se comporta. Procure pessoas que te inspirem (mais do que influenciadores) ou empresas profissionais —com boa reputação —, e não personagens.
Também é preciso cuidado com serviços gratuitos, afinal todo trabalho deve ser pago. Se oferecem um serviço gratuito, você é o produto.
O professor ou personal deve ser um companheiro de viagem e não um ser superior que você deva imitar. Um profissional que cuida de você em cada uma das suas etapas, sem culpas ou julgamentos. A vida das pessoas não é uma reta. Ele deve adaptar o exercício a você e não o contrário, esteja você no auge ou por baixo, sempre por meio de expectativas saudáveis: flexíveis, realistas, sem calendário ou comparativo de fotos.
Além disso, o trabalho em equipe é essencial. Fique atento à rede de profissionais que estão ao seu redor e para quem você pode ser encaminhado: cardiologistas, fisioterapeutas, endocrinologistas, nutricionistas, psicólogos… Desconfie de quem conhece e abrange todas as disciplinas.
Da teoria à prática
Algumas orientações para manter o ritmo:
Aposte na segurança e evite lesões. Antes de sair comprando roupas esportivas, faça um exame físico;
Sem avaliação individual não há prescrição. Cada indivíduo tem necessidades diferentes, patologias e preferências. Antes de prescrever um treino, o profissional deve fazer uma avaliação objetiva sobre o estado da sua saúde articular, os seus hábitos, preferências, contexto e necessidades, a fim de desenhar um programa sustentável o longo prazo;
Priorize-se e marque na agenda. Encontre um espaço para o seu autocuidado. Se você não encontrar espaço para a saúde, terá que achar espaço para a doença;
Em casa, ao ar livre ou em instalações esportivas, encontre seu lugar. Onde você pode treinar melhor? O que é mais confortável para você? Se decidir treinar em casa, peça orientação sobre quais equipamentos necessita e ache um “cantinho saudável” para guardá-los;
Peça aconselhamento profissional. Você alcançará eficiência, eficácia e sustentabilidade em seu treinamento. Iniciará um processo educativo, aprenderá a cuidar de si mesmo, desfrutará de se mexer mais e melhor.
*Licenciada em Atividade Física e Ciências do Esporte e Mestre em Fisiologia do Exercício pela Universidade de Barcelona
Agência O Globo