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Claudia Raia diz que o Brasil é machista e não valoriza a mulher de mais de 50 anos

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A atriz tem chamado a atenção por falar sem restrições sobre a menopausa e a sexualidade da mulher depois dos 50 anos

Claudia Raia diz que o Brasil é machista e não valoriza a mulher de mais de 50 anos

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quando tinha 16 anos e foi convidada pela primeira vez para posar nua para a Playboy, Claudia Raia diz que não sabia o que fazer. Pediu ajuda para a mãe, Odette, que a aconselhou a aceitar a proposta. Depois que a revista foi publicada, 90% dos alunos deixaram a academia de dança que a matriarca da família comandava em Campinas, no interior paulita.

Mesmo assim, Claudia relata que a mãe se manteve firme na sua posição.”Ela disse: ‘Minha filha, se essas pessoas saíram é porque elas não tinham que estar aqui. Elas não são pessoas da arte, então, não me interessa ter alunos desse tipo aqui na academia.'”

Para a atriz, essas e outras posturas feministas de dona Odette -que faleceu em 2019 aos 95 anos- foram exemplos fundamentais para a sua formação e para que ela, ao longo de sua carreira, enfrentasse e superasse adversidades. Como o “massacre” de críticas que recebeu pelo seu jeito italianado de falar ao interpretar Tancinha em “Sassaricando” (1987) -que logo se tornou sucesso popular.

Agora, aos 54 anos, Claudia Raia tem chamado a atenção por falar sem restrições sobre um tema que ela diz ainda ser considerado tabu no Brasil: a menopausa e a sexualidade da mulher depois dos 50 anos. A atriz e produtora teatral relata que começou a abordar o assunto, porque ela mesma tem passado por isso. “Só que nunca nenhuma mulher conhecida ou celebridade falou sobre isso, porque todo o mundo disfarça.'”

“Vamos nos unir, vamos dar as mãos e vamos falar sobre isso”, convoca ela, destacando que o Brasil é “extremamente machista” e, por isso, não valoriza essa mulher que “tem força, é resolvida e independente”.

Em quase uma hora de conversa por telefone, Claudia Raia falou sobre esses e outros assuntos, como a sua biografia “Sempre Raia um Novo Dia”, lançada com a escritora Rosana Hermann. Na obra, ela conta, sem pudores, sobre amores passados, como o romance que viveu com Jô Soares e o casamento com Alexandre Frota, as tentativas de estupro que sofreu em Nova York quando tinha 13 anos, além de curiosidades da sua vida e carreira.

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Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

Como foi o processo de recordar sua história para o livro “Sempre Raia Um Novo Dia”?

Foi um processo muito louco, muito diferente. Foi lindo, emocionante, em alguns momentos foi duro, em outros foi muito alegre, muito celebrativo. A Rosana [Hermann] também se envolveu muito com a minha história. Tinha momentos em que eu acordava de manhã, tinha um recado dela no celular às 4h: ‘Claudia, eu não consigo dormir, porque eu só consigo me lembrar de você em Nova York, com 13 anos, com a sua mala na mão depois de ter sofrido uma tentativa de abuso.’ Ela foi vivenciando junto comigo. Eu ligava para ela e dizia: ‘Rosana, calma, está tudo bem, eu não estou mais em Nova York, eu moro aqui no Brasil, está tudo bem. Eu tenho uma casinha ótima, eu tenho família, está tudo certo.’ Se eu tinha que rememorar esse momento profundo e dar de cara com a minha história e comigo mesma, eu acho que não poderia ter sido melhor.

Você sempre foi de falar abertamente sobre tudo ou isso veio com o tempo. Como a história das duas tentativas de estupro que você sofreu em Nova York. Você já falava sobre isso antes?

Ninguém falava disso. E mesmo que falasse, a mulher não era escutada. A gente não tinha voz. E se eu contasse isso para alguém lá atrás, as pessoas iam achar normal. É incrível falar isso, mas era um pouco normal que uma menininha muito jovem, muito lindinha, muito gostosinha estivesse sendo assediada por um cara mais velho que estava oferecendo a casa para eu ficar. Hoje, a gente tem consciência e fala: ‘Eu sofri um monte de abuso e nem percebi’. Ou eu percebi e tive que ficar quieta. Ou percebia e falava que tinha sido agredida, mas os outros não viam assim. Sempre fui uma pessoa que fala tudo o que tem vontade de falar. Eu sempre fui assim. Nunca tive grilo. E acho que quando você escreve um livro de memórias ou você conta ou você não escreve um livro. Só que eu acho que hoje alguém para e nos escuta. Alguém percebe que isso, sim, é um abuso ou uma tentativa de abuso.

Você fala que vem de uma família de mulheres feministas. Mas feminismo é uma palavra que não se usava no passado, era considerada pejorativa.

A minha mãe, minha avó sofreram muito esse preconceito, porque elas eram mulheres sozinhas, meu avô e meu pai morreram muito cedo. Minha mãe tinha atitudes absolutamente feministas. Ela vinha de uma família tradicional, meu avô era barão do café, ricos, da alta sociedade campineira. E ela era bailarina nos anos 1930 e 1940, estudava dança no porão da casa, com um professor que vinha dar aula para ela. Ninguém tomava essa atitude se não fosse feminista, ela ia contra tudo e todos. Tantas coisas que ela fez e foi acusada: ‘Ah, uma mulher viúva, sozinha, com duas filhas, tem uma academia de dança, tem uma academia de artes’. Uma das atitudes mais incríveis que eu vi dela foi quando eu fui convidada para fazer a minha primeira Playboy. Na época era muito normal, mas eu fiquei sem saber, eu era muito nova, tinha 16 anos. E a mamãe disse: ‘Faça, filha, acho que pode ficar muito bonito, e isso é um passo importante de maturidade’. A palavra não era empoderamento, mas o que ela queria dizer era a importância de se colocar e tal. Eu fiz o ensaio e ficou realmente lindíssimo. Quando saiu a Playboy, 90% dos alunos saíram da academia. E ela se manteve absolutamente firme. Eu que cheguei preocupadíssima, e ela disse: ‘Minha filha, se essas pessoas saíram é porque elas não tinham que estar aqui. Elas não são pessoas da arte, então, não me interessa ter alunos desse tipo aqui na academia.’ Em momento algum ela desistia do propósito, isso foi um grande exemplo para mim.

Essa posição da sua mãe te preparou para outras adversidades da sua carreira? Você conta, por exemplo, que a crítica não gostou da sua interpretação de Tancinha em “Sassaricando” (Globo, 1987).

Não é que eles não gostaram, eles me massacraram. Diziam que ninguém falava daquele jeito, que aquilo era um tipo irreal. E foi uma loucura, porque a minha preparação foi com a Íris Gomes da Costa, que até hoje é preparadora da Globo. Eu fui a feiras no Brás, ficava sentada, observando, vendo, como eles se comportavam para poder criar a Tancinha. Mas eu fui absolutamente massacrada. O Silvio de Abreu [autor da novela] me dizia: ‘Não mude nada. Tenho certeza que Tancinha vai sair o maior sucesso da sua carreira.’ E assim foi. Foi uma comoção nacional, mas no começo foi só porrada.

Essa postura das mulheres feministas da família te ajudou então neste início mais difícil?

Total. Eu fui chamada para fazer Viva o Gordo (Globo, 1981-1987) e “Roque Santeiro” (Globo, 1985) fundamentalmente pela minha beleza e meu “physique”, digamos assim, da mulher gostosa. Eu saquei isso, e falei: ‘Ok, é essa porta que está aberta para mim, vou entrar por aqui e chegando lá, eu mudo a história’. Eu tinha isso claramente na minha cabeça. No Viva o Gordo eu trabalhava com os melhores profissionais da comédia. Eu lembro que o meu horário para chegar era 14h, 15h, e eu chegava às 10h porque eu queria ver como eles faziam. Eu tinha dois caminhos: ou eu continuava a fazer a gostosona e aos 30, 35 anos, minha carreira acabava, ou eu me tornava uma atriz. E eu falei: ‘Eu quero ser uma atriz. E eu vou lutar por isso.’ Usei a minha beleza para mostrar minha essência, meu talento.

Conta um pouco dos seus personagens dessa época.

Algumas vezes caia no meu colo papéis com a mesma temperatura e eu tinha que me virar nos 30 para fazer um diferente de outro. Não tem como você comandar o que está na cabeça das pessoas, mas é possível inovar, transformar, mostrar um outro lado seu de atriz. Tive uma oportunidade incrível quando fui chamada para fazer “Engraçadinha” [Globo, 1995]. Foi um perrengue para conseguir. [Ela relata no livro que fez o teste escondido do diretor Carlos Manga, que não a via como a personagem] Eu também ia atrás do que queria, lutava pelos personagens. Algumas vezes deu certo, outras não, como o Tonhão, da TV Pirata [Globo, 1988-1990]. Tive que convencer Guel [Arraes] a me dar o papel. Porque tem uma coisa: sou capricorniana, não desisto. Hoje, a maturidade me ajudou um pouquinho nessa teimosia. Têm coisas que não valem a pena, tem montanha que não vale escalar.

Você tem falado muito sobre menopausa e a sexualidade depois dos 50. A menopausa ainda é um tabu?

Total. Eu acho que nós mulheres somos preparadas para tudo: puberdade, menstruação, gravidez, amamentação, mas a gente não é preparada para menopausa. E, de repente, vem uma avalanche hormonal em cima de você, e você fica ali: o que isso? O que eu estou sentindo? O que eu tenho que fazer? Ninguém fala sobre isso. Eu comecei a virar uma porta-voz do “ageless” [movimento que defende que moda e beleza não têm idade], porque eu resolvi fazer aquela série “50 e Tantas”, no IGTV [no Instagram]. E as mulheres começaram a responder ‘ajuda a gente, fala mais’. Então comecei a ir atrás. Esse é meu lugar de fala, eu estou passando por isso. Só que nunca nenhuma mulher falou sobre isso, todo o mundo disfarça. Vem aquele fogacho, vem aquele calor, a pessoa já te olha de lado. Inclusive comentários de mulheres. Pelo amor de Deus, cadê a sororidade? Que a mulher está passando por um momento que daqui a meia hora você vai passar. Vamos nos unir, vamos dar as mãos e vamos falar sobre isso. No Brasil se cultua muito a juventude.

Sim, mas por quê?

Por causa do machismo, uma mulher mais jovem poucas vezes tem uma opinião muito formada, uma personalidade muito firme, são raras as jovens que têm isso. Fica aquela menina mais bobinha, mais ingênua, manipulada pelos homens. Isso é totalmente machista. Tem essa mulher de opinião, carreira formada, bem-sucedida e que não necessariamente precisa de homem para sobreviver -digo no sentido financeiro, porque óbvio que todo o mundo quer um grande amor. Esse tipo de mulher não cabe para os homens, eles não dominam. Se eles não dominam, eles não querem. Essa é a minha avaliação.

Mas estamos avançando, você acha?
​Sim, estamos. Avançando devagarzinho, acho que ainda temos uma legião de machismo. Acho que, inclusive, embutido em nós mulheres. Acho que a gente fala frases machistas, a gente acha coisas machistas. É muito cultural ainda, a gente tem que ir gritando para sermos escutadas.